Crítica: Como não perder essa mulher


A rotina de Jon pode ser simplificada da seguinte maneira: pela manhã, academia; à noite, uma balada com os amigos para "pegar" algumas mulheres; durante os finais de semana, missa e almoço em família. O protagonista de Como não perder essa mulher, tradução "porca" e que em muito pouco condiz com os propósitos dessa inteligente comédia que é a estreia do ator Joseph Gordon-Levitt, intérprete do personagem, na direção e no roteiro de um longa metragem, sintetiza toda uma geração marcada pelos sentimentos superficiais e pela hipervalorização da aparência. O título original, Don Jon, nos remete à natureza "predadora" do seu personagem principal, um garoto imerso na cultura narcísica que, por sua vez, fica obcecado, não apaixonado, por uma garota igualmente superficial, que se veste de maneira provocante e é excessivamente sexualizada, mas que no fundo revela-se tão predadora quanto ele, obstinada em encontrar o "cara" que atenderá ao seu programa de vida, construir um futuro cor de rosa, cercado de crianças, para passar adiante suas formas individualistas de ver o mundo e pouco profundas no olhar para seus próprios sentimentos e desejos.
 
Com um olhar certeiro para o comportamento da juventude contemporânea, Gordon-Levitt elabora seu roteiro com objetivos bem claros, mostrar como relações baseadas nestes termos não acessam um sentimento básico para a condição humana, o amor. Se temos uma sociedade formada por jovens individualistas e narcísicos, o que menos se pode aprender e praticar é o amor, sentimento que para existir solicita o desprendimento, o olhar para o outro. Como jovens criados nestes termos podem olhar para seus parceiros, tentar entendê-los, satisfazê-los sexualmente e, de quebra, satisfazer a si mesmo? A consequência disso tudo é uma sociedade na qual o sexo está por todos os lados, desde a publicidade de um hambúrguer até ao fácil acesso a material pornográfico na internet, com o qual Jon, nosso protagonista, passa cultivar uma dependência, mas completamente insatisfeita nesse departamento. Isso porque, todos estão preocupados demais com suas satisfações pessoais para conseguirem se preocupar com a satisfação do outro, resultado: insatisfação generalizada, comportamentos agressivos e aquisição de vícios e neuroses. Esse é o universo de Jon, Barbara e tantos outros jovens com menos de trinta anos que estão por ai.
 
Essa precisão no concatenamento das ideias principais de Como não perder essa mulher é transposta com um olhar refrescante por Gordon-Levitt na direção, sempre disposto a ir por caminhos que surpreendem não pela sofisticação visual, mas pela fluidez e coerência de suas decisões. A rotina de Jon é descrita sequência a sequência com um humor que evita histrionices e procura buscar o ridículo na humanidade dos seus personagens. Jon é retratado por Gordon-Levitt na atuação e na direção não como um machista irremediável, que parece estar confortável em sua posição, mas como um rapaz que elabora sua vida no automático. Ele percebe que existe alguma coisa errada, mas não sabe exatamente o que é. Jon é um garoto inserido em um contexto no qual atribuir notas às garotas, esperar pelo aval do pai sobre os atributos físicos de suas parceiras (reparem na dinâmica entre pai e filho no primeiro dia em que ele leva Barbara para jantar com sua família) e se masturbar diariamente com vídeos pornôs na internet faz parte de sua rotina, como beber água ou respirar.
 
Preciso em sua interpretação, Gordon-Levitt conta com parceiras de cena à altura. A primeira delas é Scarlett Johansson, que parece enfim ter "acordado" de um sono profundo desde 2003 quando ofereceu ao público sua única performance digna de sua fama em Hollywood, Moça com brinco de pérola. Johansson utiliza todo o seu sex appeal em prol de uma composição certeira, sua Barbara não é nem tão ingênua quanto demonstra, mas também não tão esperta quanto parece. Barbara é aquele tipo que você deve conhecer de algum lugar, sabe como deixar um homem de quatro por ela, se veste com roupas provocantes, mas tem aspirações convencionais de vida. Barbara tem pouquíssima inteligência emocional e não sabe administrar um relacionamento de maneira madura, tampouco encarar os problemas inerentes a ele. Tão superficial quanto Jon, Barbara deixa que ele a transforme em seu troféu, exiba-a a seus amigos e a seu pai, mas, em troca, quer transformá-lo em seu "bichinho de estimação". Diferente do que diz, tudo que Barbara mais quer não é amor, tampouco dinheiro ou sexo, como podem pensar os machistas, é um ideal artificial de vida e para conquistá-lo julga ser necessário utilizar esses "joguinhos" tolos de sedução. Johansson está ótima na condução dos subtextos da personagem, deixando com muita sutileza para o espectador os anseios e a natureza dela que, por tender a superficialidade, poucas vezes apresenta uma correspondência entre o que realmente deseja e como age. A outra mulher dessa história é Julianne Moore, cuja personagem é fundamental para a redenção do protagonista. Sobre a personagem da atriz, é melhor dizer pouquíssima coisa para não estragar a relação do leitor com o filme, mas Moore, como sempre, é um frescor na tela.
 
Com Como não perder essa mulher, Joseph Gordon-Levitt já pode pertencer a galeria daqueles cineastas que superam as expectativas em seu longa de estreia. Já conhecíamos o ator, mas esse jovem cineasta que surge com uma temática tão pertinente e um olhar tão vivo, inteligente e interessante sobre ela não conhecíamos. Assim como o protagonista de Como não perder essa mulher tem sua redenção no final da projeção, ou seja, muda as prioridades da sua vida, podemos nos sentir confortados por um diretor tão jovem quanto Gordon-Levitt ter essa perspicácia como realizador, é sinal de que o mundo não é preenchido apenas pelos Jons ou Barbaras da vida. Com sua crítica à cultura narcísica da sua geração em Como não perder essa mulher, o jovem Gordon-Levitt mostra que em Hollywood (enfim, na vida) ainda existe gente jovem com muito a dizer e fazer, a gente só agradece e respira aliviado.

 

Don Jon, 2013. Dir.: Joseph Gordon-Levitt. Roteiro: Joseph Gordon-Levitt. Elenco: Joseph Gordon-Levitt, Scarlett Johansson, Julianne Moore, Tony Danza, Glenne Headly, Brie Larson, Rob Brown, Jeremy Luke, Paul Ben-Victor. 90 min. Imagem Filmes.

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Chovendo Sapos: Crítica: Como não perder essa mulher
Crítica: Como não perder essa mulher
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