John Carney está se tornando uma espécie de Cameron Crowe indie. Popularizado com o drama Apenas uma Vez,
vencedor do Oscar de melhor canção em 2009 com “Falling Slowly”, o
realizador não esconde sua paixão pela música e entende que essa forma
de expressão é a que melhor define e retira da banalidade seus
personagens comumente desajustados com o seu tempo e com os imperativos
do mercado fonográfico. E se em Apenas uma Vez tínhamos o casal de desconhecidos Glen Hansard e Markéta Irglová, em Mesmo se nada der certo a
dupla central é representada por Keira Knightley e Mark Ruffalo, que,
de uma certa forma, apresentam preocupações semelhantes àquelas
vivenciadas pelos personagens de Hansard e Irglová.
Mesmo se nada der certo tem início quando um produtor
musical chamado Dan (Ruffalo) vive uma de suas maiores crises pessoais e
profissionais. A vida do sujeito está virada do avesso, separou-se da
mulher, tem uma relação distante e complicada com a filha adolescente e
está cansado dos ditames da indústria da música que lhe empurram “goela
abaixo” jovens artistas sem o menor talento para a coisa. No outro polo
do filme encontramos Gretta (Knightley), uma jovem inglesa que é uma
brilhante compositora e cantora, mas que é avessa ao estrelato. Gretta
está em Nova York acompanhada do namorado, cuja carreira musical é
catapultada graças ao sucesso de uma de suas canções na trilha sonora de
um filme. Contudo, Gretta descobre que o rapaz lhe traiu e decide
abandoná-lo. Dan e Gretta se encontram e, diante das portas fechadas das
gravadoras, ele propõe a ela gravar um álbum pelas ruas da cidade, a
céu aberto. A experiência será transformadora para os dois personagens
na medida em que descobrem suas afinidades musicais.
Estética e narrativamente, Mesmo se nada der certo não traz
grandes saltos, até porque não é essa a ambição do seu realizador. John
Carney investe na combinação entre o visual atraente dos arranha-céus de
Nova York, o charme e a competência de Keira Knightley e Mark Ruffalo e
uma trilha sonora certeira. O filme pode não priorizar uma profundidade
maior dos seus temas ou mesmo tratar seus personagens com uma leve
superficialidade, mas não resta dúvida de que, em diversos momentos, a
simplicidade do realizador e de sua história tocam fundo o espectador.
Dan e Gretta parecem uma versão suave do Llewyn Davis do mais recente
filme dos irmãos Coen. Dois sujeitos desajustados com a ordem de
prioridades daqueles que estão ao seu redor. O encontro entre esses dois
personagens selam a consciência de que não estão sós, de que não entrar
em conformidade com a maioria não é estranho, traz uma calma para
ambos, uma perspectiva até mais tolerante para com aqueles que entram na
lógica industrial de produção musical. E se por um lado temos Mark
Ruffalo em sua natural boemia, do outro temos uma Keira Knightley à flor
da pele, uma espécie de boneca delicada, sensível, graciosa. Em torno
dessas duas figuras, temos James Corden, Catherine Keener, Hailee
Steinfeld e Adam Levine, todos dando conta do recado.
Em todo o filme, há um sentido de urgência pelo compartilhamento. Os
personagens ouvem suas canções em iPods com entradas duplas para fones. A
gravação da banda é feita ao ar livre em meio a correria rotineira de
uma grande cidade. John Carney parece querer dizer que a vida e a
experiência artística torna-se mais rica quando compartilhada, ela
adquire sentido em contato direto com a energia pulsante da vida, das
pessoas. É nesse encontro que cenas banais como as que são apontadas
pelo personagem do Mark Ruffalo, em determinado momento do filme, ganham
vida. Agradecemos a John Carney por compartilhar essa experiência
conosco.
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