Em 'Paixão Obsessiva', a rivalidade feminina não diverte nem é problematizada


Paixão Obsessiva nos invoca na memória aqueles thrillers dos anos 80/90 como Atração Fatal marcados por relações obsessivas e que inevitavelmente culminam em crimes domésticos ou "passionais". Atualmente eles só têm ganhado vida no mercado de home video (se o mesmo ainda existir) e nas noites de sábado do Supercine da Rede Globo, mas por alguma razão, que cogito mais abaixo, esse aqui ganhou a luz do dia num estúdio do porte da Warner. A trama do filme gira em torno de uma ex psicótica que atormenta a vida da atual esposa do antigo parceiro ( a sinopse é rasa assim mesmo). O pior é que, diferente de alguns exemplares como o já citado Atração Fatal, Paixão Obsessiva não consegue nem mesmo ser irônico com a lógica absurda e simplista da psicologia de suas personagens, tampouco fazer uma releitura, como levemente anuncia, de um nicho de produção absolutamente datado para 2017. 

A Alex Forrest da vez (personagem de Glenn Close em Atração Fatal) é interpretada por Katherine Heigl (da série Grey's Anatomy), ainda amargando um merecido ostracismo tanto do cinema quanto da TV após acreditar que seria uma nova Julia Roberts e fracassar miseravelmente com filmes do naipe de Como Agarrar meu Ex-Namorado e Par Perfeito. No filme, Heigl vive Tessa, uma mulher consumida pela amargura após ter se separado do pai da sua única filha. Na vida pós-divórcio ela dá de cara com a atual esposa do ex, Julia Banks, interpretada por Rosario Dawson (atualmente na série Punho de Ferro), uma editora de livros que resolve começar a trabalhar em casa pensando em conseguir conciliar melhor a carreira e o desejo de construir uma família. Ao longo do filme, a rivalidade entre as duas cresce e Tessa começa a cercar Julia por todas as frentes possíveis. 

A direção de Paixão Obsessiva é de Denise Di Novi, experiente produtora de filmes do Tim Burton (como Edward Mãos de Tesoura e Batman: O Retorno), que, por sinal, sempre teve um bom trânsito na Warner e somente isso explica um estúdio do porte do mesmo bancar, ainda que em parceria com a produtora da realizadora, um título tão anacrônico quanto este. Paixão Obsessiva é descolado do seu tempo não por se encaixar num nicho cinematográfico típico da Hollywood de trinta anos atrás, mas por não conseguir ter uma leitura atual minimamente satisfatória sobre o mesmo. Ao se apoiar na típica história de ciúmes e rivalidades femininas, Paixão Obsessiva não consegue superar a clássica disputa de mulheres pela atenção de um personagem masculino. 

Mesmo contextualizando brevemente o passado de violência doméstica da personagem de Dawson e em dado momento da história a mesma dizer em alto e bom som que nada daquele conflito entre as protagonistas tem relação com um objeto masculino, desde o princípio a atenção de ambas está voltada para ele. Em dado momento da história, a personagem de Heigl meio que representando todo um passado de mulheres como ela em tramas genéricas no cinema solicita à editora vivida por Dawson que a mesma consiga escrever uma história distinta da sua. Não deixa de ser um esforço autorreferencial de Di Novi e seus roteiristas mas ainda assim muito pálido perto de tudo o que o filme poderia ter feito nessa mesma direção em outros momentos, soando até oportunista ao tentar levantar uma bandeira "empoderadora" que a própria história sempre pareceu sabotar.

Mais grave ainda é que Paixão Obsessiva crê piamente que está fazendo algum serviço e leva sua premissa e desenvolvimento psicologicamente rasos muito a sério, não conseguindo enxergar que talvez recorrer a um pouco de humor tornasse sua trama pálida e desinteressante minimamente divertida e irônica para a plateia, um caminho bem mais proveitoso do que seu comprometimento social de buteco. Atração Fatal - é  inevitável recorrer ao mesmo como espelho tendo em vista que filmes como esse são claramente devedores do longa de Adrian Lyne - teve parte do seu êxito creditado a Glenn Close que "deitou e rolou" com sua vilã Alex Forrest, sendo indicada ao Oscar pela mesma. Aqui, nem Katherine Heigl, a única que poderia tirar algum proveito da história, parece se divertir tendo em mãos um tipo de papel que eternizou outras tantas estrelas em distintas décadas. 

É um pouco complicado para o público comprar Paixão Obsessiva em tempos de Big Little Lies e Feud: Bette e Joan. Denise Di Novi não problematiza a rivalidade feminina, nem trata com ironia a maneira como seus antecessores o faziam. A realizadora tenta fazer um thriller numa pegada oitentista sisudo se enganando (e enganando a plateia) ao anunciar elementos aqui e ali que supostamente evidenciam uma releitura, mas no fundo é uma versão piorada daquilo que alguns faziam trinta anos atrás. Aqui, nem mesmo a construção de tensão é satisfatória em cenas que teriam como função manter o espectador na ponta da cadeira, tudo é artificial como a cor do cabelo platinado de Katherine Heigl. Sem uma  releitura séria consistente ou uma dimensão do cômico marcando presença, Paixão Obsessiva é um título deslocado para 2017.

Unforgettable, 2017. Dir.: Denise Di Novi. Roteiro: Christina Hodson e David Leslie Johnson. Elenco: Katherine Heigl, Rosario Dawson, Geoff Stults, Isabella Kai Rice, Cheryl Ladd, Whitney Cummings, Robert Wisdom, Simon Kassianides, Jayson Blair. Warner, 100 min.  

Assista ao trailer do filme:

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Chovendo Sapos: Em 'Paixão Obsessiva', a rivalidade feminina não diverte nem é problematizada
Em 'Paixão Obsessiva', a rivalidade feminina não diverte nem é problematizada
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